Feminícidio à negação do empoderamento

POR Angelica Mota e Anneli Rodriges 

A denúncia faz toda a diferença (foto: Ascom SSP/SE) 

As Nações Unidas definem a violência contra as mulheres como "qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada".

É nesse cenário de violência que muitas mulheres vivem com seus parceiros ou companheiros. Sendo vítimas de agressão física, verbal, sexual, psicológica e até mesmo criminal, ou seja, levadas até a morte. Para inibir esse tipo de violência, em 2006 foi criada no Brasil a Lei Maria da Penha.

A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) veio no intuito de inibir e punir casos ameaçadores de violência contra a mulher. De acordo com o Art. 1º, a lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil.

A lei também dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, além de estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Para Valdilene Martins, vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB/SE, a violência cometida contra as mulheres está diretamente ligada ao machismo. “Sem dúvida nenhuma, quando se fala em igualdade de gênero e na distinção entre homem e mulher, o machismo é fundamental nessas questões, porque faz com que a desigualdade permaneça”, afirma.

Ela sustenta que o feminismo é um movimento que prega igualdade de direitos e obrigações, é uma reação contrária ao machismo. Outro ponto importante que ela ressalta é que, na maioria dos casos, o que culmina na violência doméstica é a educação dada para as crianças, seja ela recebida desde o nascimento até aquela envolvendo o campo social. Independentemente de qual seja o ambiente, há um prejuízo que irá influenciar no comportamento dessas crianças no futuro. “A educação deve ser igualitária para que haja uma desconstrução na sociedade”, afirma a advogada.

Segundo Valdilene, a Lei do Feminícidio não é preventiva, mas foi criada para qualificar e separar os casos de mulheres que morrem em decorrência de violência nas relações familiares e afetivas. Veja parte da entrevista com a advogada, Valdilene Martins: 


É notório que a violência doméstica tem aumentado e a mídia tem mostrado diariamente casos envolvendo mulheres vítimas de agressões cometidas por companheiros. Uma das causas principais é o término do relacionamento. Para Erika Leite, Presidente do Conselho Estadual de Direitos da Mulher de Sergipe, é preciso mudar esse cenário de ideia de normalidade. “A sociedade tem que mudar seus conceitos, pois muitas das vezes o relacionamento já dá indícios de comportamento abusivo”, reforça.  

Confira trecho da entrevista com a diretora do conselho estadual dos direitos da mulher, Erika Leite: 


RELATOS DE RELACIONAMENTO ABUSIVO

Maria dos Santos*, de 60 anos, conta que no início do relacionamento não notou que o esposo era uma pessoa possessiva. Mas depois de seis meses, começaram alguns desentendimentos.  “Eu passei a conhecê-lo quando um dia ele foi me pegar no trabalho, e justamente nesse dia demorei a sair. Quando o encontrei foi pedindo para eu escolher entre ele ou meu trabalho”.  Mesmo depois da discussão, ela continuou a viver normalmente com o esposo, até que um dia que ele chegou em casa embriagado e começou a espancá-la. 

A aposentada comenta que não foi fácil passar a viver sem o companheiro, pois gostava dele, mas está certa de que foi a melhor decisão que tomou. “Não vou mentir, senti muito sua falta a ponto de sentir o cheiro do seu perfume em cada canto da casa, no travesseiro e até mesmo em meu corpo. Mas eu já tinha tomado a minha decisão e sabia que, se eu voltasse para ele, na próxima briga poderia me matar, porque jamais iria mudar”. Embora machucada, tanto fisicamente quanto psicologicamente, a aposentada decidiu denunciar as agressões sofridas. Agiu de modo diferente de muitas mulheres, que silenciam ou são obrigadas a ocultar os fatos. 

Maria dos Santos* não consegue encarar a violência sofrida. (Foto: Arquivo Pessoal)

Marta Helena*, de 25 anos, teve uma realidade diferente, pois conheceu o parceiro em um site de relacionamento. Logo no começo da relação, notou que o companheiro já demonstrava agressividade e violência. Mesmo com esse comportamento, o romance continuou.  Mas um dia quando estavam juntos, a forçou a ter relação sexual, chegando a levantar a mão como se fosse para bater, assim foi obrigada a fazer o que ele queria. “Fiquei com medo por ele ser homem e mais forte que eu, assim deixei que o ato sexual acontecesse”. 

A atendente relata que se sentiu ameaçada por diversas vezes, pois sempre percebia que, para o parceiro, ela era apenas um objeto de desejo. Diz que não chegou a procurar ajuda por achar que estava errada e, principalmente, por se sentir culpada por ter permitido que o ato sexual acontecesse. Envergonhada, acabou por contar apenas para uma amiga bem próxima.   

Embora o fato tenha deixado marcas na memória dela, hoje consegue entender e se encorajar, deixando uma mensagem para as mulheres que sofrem esse tipo de violência. “Aconselho que a pessoa procure uma amiga, assim também como os órgãos que cuidam desses casos. E que não faça como eu, que resolvi me calar diante de tamanha violência. Assim, é importante a pessoa ir buscar emprego, procurar a família, ou seja, tentar uma maneira para que encontre uma solução. Mas jamais deve se calar”. 



*As duas fontes que foram agredidas por ex-companheiros aceitaram ser entrevistadas, desde que seus nomes fossem resguardados. Assim também não foram autorizados áudios e vídeos, por isso as entrevistas foram transcritas. As vítimas preferiram não expor suas imagens.




Um comentário:

  1. Me mantenho na esperança de um dia ver todas as mulheres livres de qualquer tipo de abuso.

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